Maria: mulher eucarística

Maria: mulher eucarística

a) Igreja e Eucaristia

 

A Encíclica Ecclesia de Eucharistia, de João Paulo II (2003), apresenta e recorda que a Igreja vive da Eucaristia. Essa verdade não exprime apenas uma experiência de fé, mas contém em síntese o próprio núcleo do mistério da Igreja onde está contidoo próprio tesouro da Igreja. “ A Igreja vive de Jesus eucarístico, por ele é nutrida, por ele é iluminada. A Eucaristia é mistério de fé e, ao mesmo tempo, ‘mistério de luz’ ” (EE 6). É a síntesejá formulada pelos Santos Padres nos inícios do cristianismo, quando se dizia que a Eucaristia faz a Igreja e, por sua vez, a Igreja faz a Eucaristia, retomada no século XX, quando do surgimento do movimento litúrgico moderno.

 

b) Maria e Eucaristia

Maria está de tal maneira ligada ao mistério eucarístico que mereceu que o Papa João Paulo II, na Encíclica  Ecclesia de Eucharistia , justamente a chamasse “mulher eucarística” (cf. EE 53). Assim, devemos nos colocar na escola de Maria, a mulher eucarística, se quisermos redescobrir em toda a sua riqueza a sua relação íntima entre a Igreja e a Eucaristia. Ela se apresenta como Mãe e modelo da Igreja, que nos pode guiar para o Santíssimo Sacramento, justamente porque tem uma profunda ligação

com ele.Maria é mulher eucarística na totalidade de sua vida(EE 53), mesmo para além de sua participação física no banquete eucarístico da última ceia de Jesus com os seus (cf.  Mt 26, 20.26- 29 e paralelos), pois essa participação dá-se a partir de sua atitude interior, que marca toda a sua vida, mais que da participação ativa no momento da instituição do sacramento. Por sua vez, “ a Igreja, vendo em Maria o seu modelo, é chamada a imitá-la  também na sua relação com este mistério santíssimo ” (idem). Maria praticou interiormente a sua fé eucarística ainda antes de ser instituída a Eucaristia, quando ofereceu o seu ventre virginal

para a encarnação do Verbo de Deus; e daí o título de ser a Arca da Aliança, que contém o Santo dos Santos. A Virgem Maria teve consciência de ter concebido Cristo para a salvação de todos os homens.

 

c)  Fiat de Maria e Amém Eucarístico

 

Na Encíclica sobre a Eucaristia lê-se: “Existe uma profunda analogia entre o Fiat pronunciado por Maria, em resposta às palavras do Anjo, e o Amém que cada fiel pronuncia quando recebe o corpo do Senhor ” (EE 55). A Maria foi-lhe pedido para acreditar na obra do Espírito Santo, e na Eucaristia é pedido aos fiéis para crerem que aquele mesmo Jesus, Filho de Deus e filho de Maria, torne-se presente nos sinais do pão e do vinho com todo o seu ser humano-divino. Santo Agostinho ressalta: “Para Maria, ter sido discípula de Cristo foi mais do que ser mãe dele (...). Por isso também Maria é bem-aventurada, porque ouviu a Palavra de Deus e a guardou; guardou mais na mente a Verdade do que no seio a carne. Cristo é Verdade, Cristo é carne: Cristo Verdade na mente de Maria. Vale mais o que se carrega na mente

do que o que se carrega no ventre. O parentesco materno não teria ajudado em nada a Maria, se ela não tivesse carregado Cristo de modo mais feliz no coração do que na carne”

 

d)  Maria prelúdio da Eucaristia

Na saudação de Isabel, Maria ouve: “ Feliz aquela que acreditou( Lc 1,45). Maria antecipou também, no mistério da alegria da encarnação, a fé eucarística da Igreja. E, na visitação, quando leva no seu ventre o Verbo encarnado, de certo modo ela serve de “sacrário”, o primeiro sacrário da história, para o Filho de Deus (cf.  EE 55).

3 CNBB. Com Maria, rumo ao Novo Milênio. São Paulo: Paulinas, 1998, p.92.

 

Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo” (Lc 1,28). Maria é a mulher preparada, cheia de graça, imaculada antes de aceitar receber Cristo em seu ventre. Não se torna escopo de uma esmerada preparação para receber o Cristo, que nos vem através da Eucaristia? Uma preparação, através da confissão, de um bem-feito ato de consciência e arrependimento numa atitude de conversão? E o olhar extasiado de Maria, quando contemplava o rosto do Menino Jesus, recém-nascido, e o estreitava nos seus braços, não é porventura o modelo mais alto de amor em que se devem inspirar todas as nossas comunidades eucarísticas? (cf.  EE 55).

 

e) Maria e a dimensão sacrificial da Missa

Ao longo de toda a sua existência, ao lado de Cristo, da encarnação ao nascimento, não encontrando lugar na hospedaria; da profecia de Simeão, no templo, de uma espada de dor que traspassaria sua alma; da fuga para o Egito até perder o menino em Jerusalém; da vida pública e não apenas no Calvário, Maria viveu a dimensão sacrificial da Eucaristia. Aos pés da cruz, viu e sentiu o drama do Filho crucificado. Preparando-se para o dia da morte, na cruz e no Calvário, Maria vive como que uma Eucaristia antecipada, a comunhão espiritual de desejo e oferta que se cumpre com a Paixão e no período pós-pascal, na sua participação na celebração eucarística presidida pelos Apóstolos como “memorial” da paixão (cf.  EE 56). Aquele corpo entregue em sacrifício, e presente agora nas espécies sacramentais do pão e do vinho, faz ressoar em Maria aquele coração que ela carregou em seu ventre.

 

f) Maria e a Igreja eucarística

No relato da última ceia, Jesus expressa o desejo que se torna mandato: “ Fazei isto em memória de mim” (Lc 22, 19); viver o memorial sacrificial da morte de Cristo em cada Eucaristia implica também receber continuamente este dom e renová-lo em sua memória. Significa levar, para cada fiel e cada comunidade, a exemplo de João, aquela que Cristo sempre de novo nos dá como Mãe. Significa, ao mesmo tempo, assumir o compromisso de nos conformarmos com Cristo, no dizer de Paulo, de adquirirmos a estatura de Cristo, entrando na escola de Maria e aceitando a sua companhia de mulher, mãe e discípula (cf.  EE 57). Maria está sempre presente, com a Igreja e como Mãe da Igreja, em cada uma das celebrações eucarísticas e não por menos é citada em primeiro lugar no memento da Igreja que já está na glória. Entre todos os santos, a Virgem Maria resplandece como modelo de santidade e de espiritualidade eucarística. Na tradição viva da Igreja, o seu nome é recordado com veneração em todas as anáforas da missa e com particular realce nas Igrejas orientais católicas.

Se a Igreja e Eucaristia são uma realidade indivisível, Maria e Eucaristia o são igualmente. O cristão que comunga bem assume com liberdade e responsabilidade o projeto de Deus revelado em Jesus Cristo como oferenda, oferta aos irmãos e irmãs numa atitude de serviço. Maria colocou-se como a serva do Senhor. Pela Eucaristia, a Igreja torna-se serva da missão, o sentido real e verdadeiro do  Ite missa est!

 

g)  Maria no Magnificat e a Eucaristia como ação de graças

Pela Eucaristia, a Igreja une os louvores de todos os homens e mulheres a Deus. Pode-se aprofundar esta verdade, relendo Magnificat numa perspectiva eucarística, verdadeira ação de graças, de dizer ao Senhor “muito obrigado”. O cântico de Maria é louvor e ação de graças, quando exclama: “ A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito exulta de alegria em Deus meu Salvador ” (Lc 1, 47). Maria trouxe no seu ventre Jesus; louva o Pai por este Jesus, o Filho de Deus, mas louva-o também em Jesus e com Jesus. É nisso precisamente que consiste a verdadeira “atitude eucarística”. Aqui também está presente a tensão escatológica da Eucaristia, entre o já acontecido e o ainda não da consumação final; e precisamente assim a Igreja reza:  Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus! Maria canta e proclama aquele novo céu e aquela nova terra, já profetizados pelos profetas, especialmente por Isaías, cuja antecipação, em certa medida, se encontra na Eucaristia. Se o Magnificat  exprime a espiritualidade de Maria, nada melhor do que essa espiritualidade poder ajudar a Igreja a viver o mistério

eucarístico. Recebemos o dom da Eucaristia, dom de fé proclamado e dom a ser descoberto constantemente, para que a vida dos fiéis e da Igreja, à semelhança de Maria, seja toda ela um Magnificat , um “a minha alma engrandece o Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador ” (Lc 1, 47; cf. EE 58).Fonte

 

 

Fonte:

Prof. Dr. Pe. Pedro Alberto Kunrath – PUCRS

Pe. Carlos Luiz Bacheladenski CM

 

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